"Se não te agradar o estylo,e o methodo, que sigo, terás paciência, porque não posso saber o teu génio, mas se lendo encontrares alguns erros, (como pode suceder, que encontres) ficar-tehey em grande obrigação se delles me advertires, para que emendando-os fique o teu gosto mais satisfeito"
Bento Morganti - Nummismologia. Lisboa, 1737. no Prólogo «A Quem Ler»

sábado, 17 de julho de 2010

Livraria Castro e Silva – Catálogo n.º 123



 

Como nem só de literatura brasileira se mantém um Blog; claro que português, pois se este fosse brasileiro, muito trabalho haveria para se fazer, apesar de neste campo já existirem algumas referências importantes.

Vem isto a propósito de algumas notícias do que de bom se vai fazendo, em termos de bibliofilia, “nesta lado do oceano”, e das quais quero deixar aqui o meu contributo para a sua divulgação.

Para começar, quero dar notícia do “Catálogo n.º 123” da Livraria Castro e Silva, ainda que com algum atraso.



Reunindo obras de temáticas que podem despertar o interesse de alguns bibliófilos no seu início; é, no entanto, sempre com alguma expectativa que aguardamos pelo seu “Suplemento” onde aparecem as obras que são efectivamente mais apelativas ... claro que aqui os preços também são de uma outra dimensão (a sua justificação caberá sempre aos mais entendidos...)



163. KIDDER (D. P.) e Fletcher (J. C.) BRAZIL AND THE BRAZILIANS, portrayed in historical and descriptive sketches. By Rev. D. P. Kidder, D. D., and Rev. J. C. Fletcher. Illustrated by one hundred and fifty engravings. [Stereotyped by L. Johnson & Co. Printed by Deacon & Peterson]. Philadelphia: Childs & Peterson. [Pennsylvania]. 1857. De 23x16 cm. Com 630 pags. Encadernação do editor em percalina castanha gravada a seco com as armas do Império Brasileiro. Obra profusamente ilustrada no texto e em extra texto com acabamentos coloridos sobre papel couché protegidos por folhas de papel vegetal. Contém mapa desdobrável do Brazil e um retrato de meio corpo do Imperador D. Pedro II, aos 31 anos de idade, em anterrosto (Litografia de R. Whitechurch).Pedro II governou desde 1840 - quando foi antecipada sua maioridade - até ao ano de1889, em que foi deposto com a proclamação da República Brasileira. Entretanto a escravatura tinha sido abolida no Brasil em 1888. Obra de referência na abordagem da sociedade brasileira na transição da escravatura para o abolicionismo, com importantes comentários contemporâneos sobre este tema (Cap. VIII).
Mas vejamos estes dois exemplos do referido “Suplemento”. Claro que são os espécimes mais cotados deste Catálogo, mas convenhamos que são exemplares preciosos e, sobretudo o lote 358, uma das obras de prestigio da nossa actividade impressora no séc. XVIII.



358. ANDRADE. (Carlos Manuel de) LUZ DA LIBERAL, E NOBRE ARTE DA CAVALLARIA, OFFERECIDA AO SENHOR D. JOÃO PRINCIPE DO BRAZIL, POR CARLOS MANUEL DE ANDRADE, Picador da Picaria Real de Sua Magestade Fidelíssima. LISBOA, NA REGIA OFFICINA TYPOGRAFICA. ANNO M. DCC. XC. (1790) In fólio de 33,5x23 cm. Com xxvi-(i) em branco-454-(i) de erratas.



Encadernação da época inteira de pele com ferros a ouro e nervos na lombada. Ilustrado com o retrato de D. João VI em anterrosto, 2 vinhetas e 93 gravuras extra texto, algumas desdobráveis, tudo magnificamente desenhado por Carneiro da Silva e gravado por Frois. Obra máxima da tipografia portuguesa do século dezoito, famosa e valiosa internacionalmente, praticamente única no seu género entre nós e possivelmente o melhor tratado equestre da sua época a nível mundial. Exemplar em perfeito estado de conservação, na impressão desta obra muito nítida foi utilizado papel de grande qualidade. Tiram-se 1000 exemplares infelizmente muitos foram desfeitos para se emoldurarem as gravuras que são de rara beleza.



Inocêncio V, 386. “MANUEL CARLOS DE ANDRADE, Picador da Picaria Real de Sua Magestade Fidelissima. Da sua naturalidade, nascimento, obito e mais circumstancias não me foi até agora possivel colher alguma noticia, posto que empregasse a esse intento as diligencias que estavam ao meu alcance. Luz da liberal e nobre arte da cavallaria; offerecida ao sr. D. João principe do Brasil. Parte primeira. Lisboa, na Reg. Offic. Typ. 1790. Fol. maior, de XXVI 454 pag., e mais uma no fim, contendo a errata: illustrada com 93 estampas, e um retrato do principe, delineados pelo habil artista portuguez Joaquim Carneiro da Silva, de quem já fiz menção no Diccionario em logar competente. Posto que no frontispicio se lêa a designação de Parte 1.ª, nem por isso a obra deixa de achar se completa, comprehendendo este volume tambem a Parte 2.ª Esta edicão, que póde equiparar se em nitidez e perfeição typographica ás producções do celebre Ibarra, foi mandada executar por ordem da rainha a senhora D. Maria I; sendo a tiragem de mil exemplares, dos quaes se entregaram oitocentos ao auctor, ficando duzentos para serem na officina expostos á venda: e ainda na Imprensa Nacional existe ao presente o resto d'esses exemplares, cujo preço antigo que era de 9:600 réis, foi ha poucos annos reduzido a 7:200 réis. Custou a gravura das chapas, vinhetas e letras iniciaes 4:200$000 réis, e a despeza total da impressão foi de 6:588$000 réis. Alguns pretenderam, não sei se com legitimo fundamento, que o verdadeiro auctor d'esta Arte da Cavallaria fôra o marquez de Marialva D. Pedro de Alcantara de Menezes Coutinho, estribeiro mór da Casa Real; e que Manuel Carlos de Andrade não tivera n'ella mais parte que a de collocar o seu nome no frontispicio, porque assim fôra a vontade do marquez. Um dos que ainda ha pouco inculcou esta opinião por verdadeira foi o sr. João Carlos Feo, em uma carta, ou artigo que sahiu inserto no Jornal do Commercio de 28 de Septembro de 1859.”



365. BLUTEAU. (Raphael) VOCABULARIO PORTUGUEZ E LATINO, AULICO, ANATOMICO, ARCHITECTONICO, BELLICO, BOTANICO, Brasilico, Comico, Critico, Dogmatico, Dialectico, Dendrologico, Ecclesiastico, Etymologico, Economico, Florifero, Forense, Fructifero, Geographico, Geometrico, Gnomonico, Hydrographico, Homonymico, Hierologico, Ichtyologico, Indico Isagogico, Laconico, Liturgico, Lithologico, Medico, Musico, Meteorologico, Nautico, Numerico, Neoterico, Ortographico, Optico, Ornithologico, Poetico, Philologico, Pharmaceutico, Quidditativo, Qualitativo, Quantitativo, Syllabico, Theologico, Terapeutico, Technologico, Uranologico, Xenophonico, Zoologico, AUTORIZADO COM EXEMPLOS DOS MELHORES ESCRITORES PORTUGUEZES, E LATINOS; PELO PADRE D. RAPHAEL BLUTEAU CLERIGO REGULAR, DOUTOR NA SAGRADA Theologia, Prêgador da Raynha de Inglaterra, Henriqueta Maria de França, & Calificador no Sagrado Tribunal da Inquisiçaõ de Lisboa. COIMBRA No Collegio das Artes da Companhia de JESU Anno de 1712 - [1728] – [no final do 8.º volume vem encadernado junto, mas com rosto e paginação próprios:] - DICCIONARIO CASTELLANO, Y PORTUGUEZ PARA FACILITAR A LOS CURIOSOS la noticia de la lengua Latina, com el uso del Vocabulario Portuguez, y Latino, IMPRESSO EN LISBOA Por orden delRey de Portugal D. JUAN V. PRECEDE A DICHO DICCIONARIO, un discurso intitulado, Prosopopeia del idioma Portuguez, a su hermana la Lingua Castellana; Y a este discurso se sigue una tabla de Palabras Portuguezas, mas remotas del idioma Castellano. AUTHOR D. RAPHAEL BLUTEAU. LISBOA OCCIDENTAL, Imprenta de PASCOAL DA SYLVA. M. DCCXXI. (1721) [os volumes 9º e 10º são o suplemento ao Vocabulário Português e Latino] In fólio de 28,5x20 cm. 10 volumes com (cxvi)-698 [aliás 666], (ii)-216-654 [aliás 648], (xii)-319-407, (xii)-243-164-91-237, (xxviii)-778, (viii)-839, (iv)-824, (xii)-652-(iv), 189, (cxxxii)-568 e (iv)-325-(vi)-592 pags.



Encadernações da época inteiras de pele com nervos e ferros a ouro nas lombadas. A encadernação do 10º volume, é ligeiramente diferente. As folhas de rostos são impressas a duas cores com excepção do Dicionário Castelhano e Latino, que é a negro. Obra impressa até ao 4º volume no Colégio das Artes da Companhia de Jesus, sendo os seguintes, até ao 8º da Oficina de Pascoal da Silva, incluindo o Dicionário Castelhano e Português. Os 2 volumes do Suplemento ao Vocabulário Português e Latino impressos foram impressos na Oficina de José António da Silva. Magnifico exemplar. Obra-prima da língua e cultura portuguesa, monumental repositório filológico, nunca foi reeditada. Brunet 1, 367. Azevedo Samodães 1, 427. Inocêncio VII, 42. “D. RAPHAEL BLUTEAU, Clerigo regular Theatino, excluido por Barbosa da Bibl. Lus. em sua qualidade de estrangeiro. - N. em Londres, a 4 de Dezembro do 1638, de paes francezes. Aos seis annos de edade, no de 1644 sahiu de Inglaterra para França, na companhia de sua mãe, fugindo ás turbações e alvorotos que assolaram aquelle reino depois da tragica morte de Carlos I. Começando a desenvolver se n'elle o talento e paixão pelos estudos, juntamente com o desejo de seguir a vida religiosa, depois de cursar humanidades em París, e doutorar se em Roma nas sciencias theologicas, vestiu a roupeta de clerigo regular em 29 de Agosto de 1661. Tinha já adquirido boa nomeada em França como prégador, quando por obediencia ao Geral da ordem veiu em 1668 para Portugal, onde a sua religião dera entrada quinze ou vinte annos antes. Aprendendo em breve tempo a lingua portugueza, começou em Lisboa a distinguir se na predica, grangeando applausos e credito na côrte, e a especial protecção da rainha D. Maria Francisca de Saboya, mulher dos reis D. Affonso VI e D. Pedro II. Em 1680 passou de Lisboa á côrte de Turim na companhia do doutor Duarte Ribeiro de Macedo, encarregado de tractar o casamento da princeza herdeira D. Isabel com Victor Amadêo, duque de Saboya; e falecendo o enviado durante a viagem, o P. Bluteau o substituiu na sua missão, até chegar de Lisboa novo ministro para concluir as negociações, que a final se mallograram. Como partidista e affeiçoado da rainha, soffreu por morte d'esta alguns dissabores, que o levaram a retirar se para França, e ahi se conservou por alguns annos, até regressar a Portugal em 1704. Foi d'esta vez menos bem acolhido do que talvez esperava, pois tornando se suspeito ao governo, em razão da guerra declarada a esse tempo entre as duas corôas, recebeu ordem para recolher se ao mosteiro de Alcobaça, onde poz a ultima lima ao seu Vocabulario, e a outras obras emprehendidas com louvavel dedicação em beneficio das letras portuguezas. Obteve em fim a permissão de vir para Lisboa em 1713, quando concluida a paz geral. D'então em diante mereceu particular favor e acceitação a el rei D. JoãoV, que entre outras provas da estima em que o tinha, ordenou que á custa da fazenda real fossem estampadas todas as suas obras, e o nomeou Academico do numero da Academia Real da Historia, quando em 1720 erigiu esta corporação. O P. Bluteau era já por esse tempo membro da Academia dos Generosos, da dos Applicados, das Conferencias eruditas celebradas em casa do Conde da Ericeira, etc., etc. Foi tambem durante alguns annos Preposito da casa de S. Caetano, a qual segundo dizem governou com grande prudencia e acerto. Respeitado geralmente dos homens mais doutos e instruidos do seu tempo, que o veneravam como mestre e estimavam como amigo, passou descansadamente os ultimos annos de sua longa vida, até falecer a 14 de Fevereiro de 1734, contando mais de 95 de edade, dos quaes viveu seis em Inglaterra, cinco em Italia, em França vinte e oito, e cincoenta e seis em Portugal. Ha na Bibl. Publica de Lisboa dous retratos seus de meio corpo, e outro egual, e tambem pintado a oleo na sala da contadoria da Imprensa Nacional. Para a sua biographia vej. as Memorias hist. e chronolog. dos Clerigos regulares, por D. Thomás Caetano de Bem, no tomo I, pag. 283 a 317; o Obsequio funebre pela Academia dos Applicados (Diccionario, tomo VI, n.º O, 2); o Elogio funebre pelo Conde da Ericeira (idem, tomo III, n.º F, 1991); e mais resumidamente Canaes, nos Estudos biographicos, pag. 289. Foi o P. Bluteau homem verdadeiramente sabio e erudito á moda do seu tempo: mais ou menos versado em todo o genero de estudos, mereceu lhe particular predilecção o das linguas mortas e vivas. Falava expedita e desembaraçadamente a ingleza, franceza, italiana, portugueza, castelhana, latina e grega; e em qualquer d'ellas compunha com grande facilidade, tendo aprofundado o conhecimento das grammaticas de todas. Os portuguezes lhe devem eterna gratidão, por lhes dar um Diccionario que não tinham, e de que tanto necessitavam; abalaçando se e conseguindo elle só com o proprio esforço e estudo, o que as Academias não puderam vencer antes, nem depois!”

Espero que tenham apreciado a consulta deste Catálogo e que, se não pensarem em adquirir nenhum exemplar, pelo menos que os vossos conhecimentos tenham ficado mais enriquecidos.

Saudações bibliófilas

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